Irregularidades na administração, falta de prestação de contas, não administrar convenientemente o condomínio: apesar de complexa, a legislação permite a destituição, ou seja, retira o mandato do síndico. Saiba como e por que.
1992 foi um ano marcante para os brasileiros: considerado por muitos como esperança de um bom governo para o país, Fernando Collor de Mello sofreu um processo de impeachment e acabou renunciando ao cargo. Outro episódio que culminou com a perda de mandato de um político foi a recente cassação do prefeito de Campinas, ocorrida em agosto passado. Reservadas as devidas proporções, é possível comparar os acontecimentos à destituição de um síndico de condomínio. Diz o artigo 1.349 do Código Civil: “A Assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no parágrafo 2º do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas ou não administrar convenientemente o condomínio.” O parágrafo 2º do artigo 1.348 trata da transferência de poderes do síndico a uma administradora.
Já a Lei 4.591/64, a Lei dos Condomínios, prevê a destituição não imotivada do síndico deliberada em assembleia específica. “É claro que não se pode simplesmente passar com um rolo compressor e destituir o síndico do cargo”, pondera o advogado e consultor jurídico condominial Cristiano de Souza Oliveira. “A convocação para a assembleia de destituição deve ser minuciosa, e dela deve constar por qual dos motivos o síndico está sendo cobrado. Ela deve ser solicitada por ¼ dos condôminos, ou ¼ da totalidade da fração ideal. Não se trata de um simples abaixo-assinado”, pondera.
Para Cristiano, há inclusive uma particularidade do artigo 1.349 que deve ser observada. A lei diz que a destituição deve ocorrer em assembleia de transferência de poderes. Já na lei 4.591 a assembleia geral será convocada especialmente para esse fim. “Há uma sutileza legal: enquanto no Código Civil a destituição é consequência de um pedido de transferência de poderes de representação ou das funções administrativas na assembleia, e por esta razão a maioria absoluta delibera pela destituição percebendo que o síndico pratica irregularidades, não presta contas ou não administra convenientemente o condomínio, na lei de 1964 a destituição é a razão da assembleia que, por óbvios motivos, deverá ser convocada por ¼ dos condôminos, sendo assim esperada uma deliberação sobre o assunto específico, a destituição. Estando clara a lei, cessam-se interpretações, conforme nos ensina o brocado jurídico ‘in claris cessat interpretatio’, frisa.
O advogado Cristiano destaca outra situação interessante: “Pelo Código Civil, em teoria não há possibilidade de ocorrerem novas eleições na assembleia que teve uma deliberação de destituição, uma vez que ela é consequência hipotética e, pela boa fé, não prevista, pois a convocação é para transferência de poderes.” Ele complementa: “Falo em teoria, pois na prática, em vista da pouca seriedade que se dá ao caso, tudo fica misturado e se aceita nos tribunais uma destituição por maioria absoluta.”
Na opinião de Cristiano, o Código Civil não revogou a lei 4.591 em relação ao tema destituição. “Em resumo, a lei 4.591 possibilita a destituição imotivada deliberada em assembleia específica, com quórum de 2/3 dos presentes, enquanto o Código Civil prevê que a destituição só pode ocorrer em assembleia específica de transferência de poderes.”
Já para o assessor jurídico do Secovi em São Paulo, João Paulo Rossi Paschoal, a lei não deve ser interpretada tão rigidamente. “O que houve foi uma redação ruim do artigo referente à destituição. Não faz sentido tratar do tema em uma assembleia de contratação de administradora. Vejo a destituição do síndico como um procedimento elementar no funcionamento de qualquer entidade democrática. ¼ dos condôminos têm o poder de convocar uma assembleia para tal. Na verdade, o Código Civil facilitou a destituição, pois reduziu os votos necessários para a maioria absoluta dos presentes à assembleia ou 50% mais um.”
MOTIVAÇÃO JUSTA
O assessor do Secovi reforça que a ordem do dia da convocação da assembleia deve sempre citar a destituição. “Há casos de convocações com a pauta ‘assuntos gerais’. Não se pode proceder a destituição do síndico sem que a ordem do dia anuncie que isso será tratado na assembleia. Outra incorreção que vemos nas convocações é não convidar todos os condôminos, inclusive aqueles ligados à atual administração. A questão não é apenas avaliar se o síndico deve ou não ser destituído, mas também a forma como foi conduzida a destituição.”
Conforme João Paulo, se por um lado o Código Civil favoreceu as destituições diminuindo o quórum, por outro enrijeceu, já que exige motivação para tal ato. “Os termos má gestão e prática de irregularidades dão margem a subjetividades. O artigo 1.348 enumera as competências do síndico, que vão desde a convocação de assembleias, o cumprimento da convenção e do regulamento interno à prestação de contas. Caso o síndico deixe de cumprir com qualquer uma de suas obrigações ele está exposto à destituição.”
O síndico fechado, que pouco se relaciona com os condôminos, aquele que dá um desfalque no prédio ou o que não conserva as áreas comuns representam perfis de gestores expostos a sofrer retaliação dos condôminos e até mesmo perder seus mandatos. A falta de prestação de contas é um ponto que costuma motivar reclamações do conselho ou mesmo de condôminos. O advogado do Secovi acredita que o simples fato de emitir o balancete mensalmente, junto com o boleto condominial, não elimina o direito dos condôminos a examinarem as contas. “O balancete é apenas uma maneira de entregar as contas ‘mastigadas’ aos moradores”, diz. Por outro lado, o condômino não pode exigir a posse física das pastas. O que o síndico deve fazer, na opinião do advogado, é divulgar que as pastas estão à disposição dos moradores em um local determinado (que pode ser a própria administradora), em um período que antecede a assembleia de aprovação de contas. “A vista às pastas deve ser sempre supervisionada pelo síndico ou por alguém de sua confiança”, esclarece.
SAÍDA HONROSA
Cleide Fortunatti, gerente de uma administradora, há 16 anos atuando no setor de condomínios, tem entre seus clientes um condomínio cujo síndico foi destituído por não prestar contas. Ele assumiu com dinheiro em caixa e, em sua administração, o valor arrecadado não era mais suficiente para gerir o prédio. “Foi criada uma comissão de moradores para avaliar os gastos e checar onde o condomínio poderia economizar. Mesmo tendo sido eleito em assembleia, o síndico se negava a receber a comissão ou a mostrar documentos. Os condôminos então me questionaram sobre o que poderiam fazer. Orientei que o caminho seria a destituição, se o síndico continuasse se recusando a colaborar. Também o avisei da situação. Afinal, a administradora não presta serviço para o síndico A ou B, mas para o condomínio.” O advogado Cristiano Oliveira concorda com a postura da gerente: “Todos os condôminos são clientes da administradora. Ela apenas é mais próxima do síndico e deve saber ser profissional e isenta.”
O conselho percebeu o risco e todos renunciaram. Foi então convocada uma assembleia para a destituição do síndico. “Tudo foi feito conforme a lei”, lembra a gerente. Como o subsíndico também havia renunciado, na mesma assembleia foi eleito o novo corpo diretivo. O condomínio, com 94 apartamentos, hoje comemora uma situação de caixa saudável, corte nos gastos e cuidados com a manutenção. “O síndico atual é criterioso com as compras e sempre convoca assembleia para decidir despesas que não constam da previsão orçamentária”, constata.
Para Cleide muitos síndicos acabam se perdendo durante a gestão. “Começam bem, mas depois, ou por motivos particulares ou porque se cansam da função, deixam de trabalhar. Colocam a pasta de prestação de contas embaixo do braço e se acham algumas vezes os donos do condomínio.” O administrador de condomínios Antonio Romani percebe, no entanto, outra situação comum: brigas internas podem até mesmo destituir o bom síndico. “Muitas vezes um grupo consegue um abaixo-assinado por picuinha com o síndico, que acaba sendo destituído pela ausência dos demais condôminos na assembleia, gerando mais problemas para o condomínio.” A destituição do síndico sempre é traumática para a comunidade, acredita o advogado do Secovi, João Paulo Paschoal. Ele recomenda aos moradores que pretendem destituir o gestor “uma conversa séria, expondo os problemas”. “Para o síndico, o melhor a fazer é renunciar, uma saída honrosa.
Fonte: da Revista Direcional Condomínios.
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